Sétimo dia
E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera,
descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito.
descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito.
Gênesis 2, verso 2
A obra que fizemos não tem muito de divina, e tem tudo de humana. À noite anterior, tínhamos presenciado a briga deselegante do gerente contra uma senhora estrangeira, cujo cartão bancário não tinha funcionado. O gerente esbravejava atrás do balcão que "a senhora não quer entender, e isso é infeliz! Isso é infeliz!" e ele repetia, suando, sua explicação sobre o que se passara. A senhora estava mais calma, mas perguntava tranqüila e irritantemente as mesmas coisas. Quando ela se foi, contrariada, o homem enxugou o suor da testa e disse, à voz audível, mas baixa:
- Boa noite.
Pagamos em espécie a soma superior ao planejado para aquela noite, e perguntamos se poderíamos guardar as bicicletas conosco, no quarto. Ele perguntou se elas estavam muito sujas, para o que eu respondi que "não mais do que eu". Felizmente, ele não tardou em concordar; essas peças nos são muito caras.
Na manhã seguinte, estávamos atrasados. O despertador não tinha tocado. Ou porque a bateria estava fraca demais, ou porque nós simplesmente não o regulamos. Ou então ele toucou, mas nós não ouvimos, tanto estávamos cansados.
O trem partia a 20 minutos da hora em que acordamos. O sol não tinha nascido, e nós saímos correndo do hotel, para pedalar em jejum os primeiros minutos do dia. Chegamos a tempo.
O trem partiu a caminho de Besançon, cidade que não estava no nosso caminho. Fomos obrigados a passar por lá, porque não havia linha de trem pelos caminhos que tínhamos escolhidos.
Chegando lá, pouco depois das 10 horas, teríamos que tomar outro trem, que só partiria dali a 2 horas. Dava tempo de almoçar. Cecília ficou na estação, e eu fui procurar o que comer. Estava pensando no que poderia agradar mais minha esposa, quando passei por um anúncio mais do que sugestivo: pizza para dois, 7 €. Quando a porta me impediu de entrar, eu li os horários da loja. Na França, os restaurantes só abrem nos horários de refeição. A pizzaria abriria às 11. Que horas são? Ao lado da porta, tinha uma máquina para pagar o estacionamento da zona azul, sobre a qual figurava um relógio digital, que não oferecia nem o luxo dos dois pontos piscando, mas que dizia dez e meia. Então eu me plantei diante dele e esperei os trinta minutos, exercitando os dedos afim de não deixá-los congelar. Onze horas, o lugar abriu, eu fui o primeiro a entrar e pedir uma das pizzas do menu, que eu tive o tempo de ler atenciosamente. Quatro queijos, massa tradicional, mas com queijo Chèvre só de um lado. Cecília não gosta muito de Chèvre.
Vinte minutos depois, eu estava pedalando para a estação, com a mão direita no guidom e a esquerda sob a caixa quente e cheirosa de um presente gordo para minha princesa esbelta. E como ela está esbelta... Seis dias de pedalada emergiram músculos que nenhum de nós dois conhecia.
Quando eu cheguei com aquela refeição farta, comemos sem sombra alguma de remorso. Éramos a imagem viva da satisfação.
Depois, o outro trem nos levou a ver neve, que a cada curva cobria mais da paisagem. Primeiro tímida...
- Boa noite.
Pagamos em espécie a soma superior ao planejado para aquela noite, e perguntamos se poderíamos guardar as bicicletas conosco, no quarto. Ele perguntou se elas estavam muito sujas, para o que eu respondi que "não mais do que eu". Felizmente, ele não tardou em concordar; essas peças nos são muito caras.
Na manhã seguinte, estávamos atrasados. O despertador não tinha tocado. Ou porque a bateria estava fraca demais, ou porque nós simplesmente não o regulamos. Ou então ele toucou, mas nós não ouvimos, tanto estávamos cansados.
O trem partia a 20 minutos da hora em que acordamos. O sol não tinha nascido, e nós saímos correndo do hotel, para pedalar em jejum os primeiros minutos do dia. Chegamos a tempo.
O trem partiu a caminho de Besançon, cidade que não estava no nosso caminho. Fomos obrigados a passar por lá, porque não havia linha de trem pelos caminhos que tínhamos escolhidos.
Chegando lá, pouco depois das 10 horas, teríamos que tomar outro trem, que só partiria dali a 2 horas. Dava tempo de almoçar. Cecília ficou na estação, e eu fui procurar o que comer. Estava pensando no que poderia agradar mais minha esposa, quando passei por um anúncio mais do que sugestivo: pizza para dois, 7 €. Quando a porta me impediu de entrar, eu li os horários da loja. Na França, os restaurantes só abrem nos horários de refeição. A pizzaria abriria às 11. Que horas são? Ao lado da porta, tinha uma máquina para pagar o estacionamento da zona azul, sobre a qual figurava um relógio digital, que não oferecia nem o luxo dos dois pontos piscando, mas que dizia dez e meia. Então eu me plantei diante dele e esperei os trinta minutos, exercitando os dedos afim de não deixá-los congelar. Onze horas, o lugar abriu, eu fui o primeiro a entrar e pedir uma das pizzas do menu, que eu tive o tempo de ler atenciosamente. Quatro queijos, massa tradicional, mas com queijo Chèvre só de um lado. Cecília não gosta muito de Chèvre.
Vinte minutos depois, eu estava pedalando para a estação, com a mão direita no guidom e a esquerda sob a caixa quente e cheirosa de um presente gordo para minha princesa esbelta. E como ela está esbelta... Seis dias de pedalada emergiram músculos que nenhum de nós dois conhecia.
Quando eu cheguei com aquela refeição farta, comemos sem sombra alguma de remorso. Éramos a imagem viva da satisfação.
Depois, o outro trem nos levou a ver neve, que a cada curva cobria mais da paisagem. Primeiro tímida...
De Orage |
depois mais orgulhosa, ornando o pasto onde o sol a tinha poupado...
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depois enorme e bela, cobrindo tudo com suas toneladas de água fofa e branca.
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Estávamos felizes. Como é poderoso nosso Deus. E como é bom constatar isso na poesia da paisagem.
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Quando chegamos a Morteau, a última cidade antes da fronteira, estávamos maravilhados. Fazia muito frio, mas o céu estava aberto, sorridente, e o sol se pôs de bom humor, entre montanhas inspiradoras.
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Aqui, faço minhas as palavras do poeta Lucas Rebouças:
"a cidade nunca fora tão bela
os tons de cinza ajudaram na criação
do cenário de um filme romântico
baseado em sonhos reais"
Nossos tons não eram cinzas, eram brancos. Mas o que são cores novas nos olhos de um homem feliz, senão traduções desconhecidas de um verso que ele traz de cor?
E como o poeta, eu também "to feliz".
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Passamos o fim do dia namorando a cidade e um ao outro até o horário longe do trem ir chegando. Entramos na estação (aquecida) horas antes da partida. Mas esperar foi bom. O melhor da festa é esperar nela.
De Orage |
Quando deixamos Morteau, levamos saudade de uma cidade que não conhecemos, onde não falamos com quase ninguém, mas onde chegamos tão perto um do outro que tudo em volta parecia ter sido construído para que vivêssemos aquele momento. As lembranças vão ficar.
Depois, finalmente em território suíço, na estação de La Chaux-de-fonds, encontramos todos os guichês fechados. Havia duas máquinas para comprar as passagens para Tramelan. A primeira, engoliu 20 € nossos e até agora não devolveu. A segunda, nos vendeu dois bilhetes de um trem que não existia, e nós só descobrimos isso dentro do trem que iria até a metade do caminho até Tramelan. Eram 10 da noite, e só havia duas pessoas no veículo. Dois brasileiros, com duas bicicletas.
O maquinista veio nos perguntar até onde nós iríamos com aquelas bicicletas, àquela hora da noite. Dissemos Tramelan, e ele disse: "o último trem para Tramelan já está lá, a essa hora!"
- O quê?!
A magia de Morteau se transformou numa irritação no mínimo compreensível; como um povo civilizado e rico como o suíço desenvolveria um software capaz de cometer a estupidez de vender um bilhete de trem, válido por um dia, para um percurso que não seria mais feito naquele dia?
Viajamos até Le Noirmont, e, minutos antes de chegar, telefonamos para os Leiber pedindo socorro.
- Marcel, estamos chegando em "Le Normand" (mal pronunciado), e não tem mais trem para Tramelan!
- Le Normand? Onde é isso?
Ele pensou que estávamos perdidos no meio da França. Estávamos meio perdidos na Suíça, mas não perdidos no meio da França.
Eu corrigi a pronúncia do nome da cidade, disse que tinha certeza de que estávamos na Suíça (tudo à nossa volta estava escrito em 4 línguas), e que chegaríamos na estação em alguns minutos. A bateria do telefone resistiu até o fim da ligação.
Na estação de Le Noirmont, não havia ninguém além de nós e (pode acreditar) uma senhora no guichê! Pois é; um dos dois guichês da estação estava aberto e funcional. Enquanto esperávamos Marcel, Cecília recuperou parte do dinheiro que o sistema tinha engolido da gente. Nada dos 20 €. Apenas a diferença de menos de 13 € entre Le Noirmont e Tramelan. Diferença que percorremos com Diamantine Leiber, a jovem senhora que seria nossa mãe pelos 7 dias dos sonhos que tínhamos pela frente. Foi assim que Marcel Leiber descreveu o que ele preparava para nós nessas férias: um "séjour de rêve". Ele nos recebeu com um sorriso largo e um abraço brasileiro.
Chegando no seu aconchegante lar, perto de onze horas, nos sentamos à mesa de amigos mais do que caros. As meninas acordaram, eufóricas, felizes, vieram nos ver, ouvir as histórias.
E assim se fez o Sétimo dia da tempestade. Deus deu o exemplo, mas a gente teima em viajar, viver e cansar a semana toda...
Comentários
E sim, isso vai virar livro depois, né?!
Estou sempre na torcida.
Abraços,
Cintia.
espero mesmo de todo coração que vcs se deem muito bem por ai =)
bju povo
Deus abençoe vcs!!!
ass: Ciene