Um dia perfeito

Domingo. 9h30. Atrasados pra igreja pra tristeza do mais velho. A mais nova acorda com nariz escorrendo. O sol brilha lá fora. 
- Vamos dar uma volta, amor?
- Claro, vamos ao parque?
- Ah, não, preciso ver algo novo. Pegar a estrada.
- Beleza.
E começam e preparar o café da manhã e a cogitar um lugar legal, mas não muito longe de casa. Troca fralda da menina, escova os dentes das crianças.
- Troca de roupa, menino!
- Calma, Esther, papai tá preparando, tá quase pronto!
Uma se esgoela querendo comer o que tá na panela. O outro tagarela sem parar o sonho que teve.
Alimentados. Crianças vestidas. Dentes escovados. Mochilas prontas. 
- Bota o sapato e vamos!
- Eita, não tô pronta. Pera 10 minutos. 

Em 7 estavam todos no carro. Crianças em suas cadeiras. Cintos atacados. Pai no volante. Dá partida e quando vai saindo da garagem...
- PÁRA!!! A PORTA!!
tava aberta. Ufa, foi por pouco. Lembrei de uma crônica de uma amiga que dizia que um dia que começava com incidentes desse tipo só podia terminar muito mal. Espantei a ideia pessimista da cabeça. 

Tínhamos escolhido ir à fazenda Ipanema. Já conhecíamos o lugar, mas faltava fazer a trilha que havíamos tentado fazer em 2 outras ocasiões e nunca dava certo por alguma razão. Eu sempre amei trilha, mas minha obsessão era: "Esther não pode completar 2 anos sem ter feito uma trilha." Desde que me tornei mãe tudo gira em torno deles mesmo.
Já no carro em movimento, penso em checar os cintos das crianças.
- Caraca! A cadeirinha de Esther não estava presa ao carro!

(People, double check toujours pendant les voyages, pelamor) 

Passa no supermercado pra comprar 3 itens escolhidos por Elias previamente em casa: bolacha doce (biscoito, menino!), pipoca e banana. Acerta o mapa. 21 minutos.  
-  Eita, não tem dinheiro pro pedágio.
Refaz a rota. 
- Ufa, só um minuto de diferença. Perfeito!
Viagem que segue em rua mais estreita, estrada conhecida, com mais mato e em menor velocidade. Mamãe com o coração no peito. Chegamos. Placa. 
Leia atentamente e perceba qual era o nosso problema...


- Moço, não aceita cartão, né? E tem caixa eletrônico por perto?
Elias já tava pulando porque tinha chegado. Esther já tava chorando porque tinha chegado, mas ainda estava presa na cadeirinha. 
Encosta o carro. Pára, pensa.
- Segundo o mapa, o caixa eletrônico mais perto fica só em Sorocaba.
Menina berra. 
Não pensa.
Tira a menina da cadeirinha, vai passear. Abre o pacote de biscoito. 
- Ei, você desistiu mesmo?
- Não, claro que não... (mas que pensou em desistir, pensou)
O porteiro se compadece, se aproxima. Sugeriu tentar pegar dinheiro no supermercado, passando o cartão na maquininha. 
- Humm...
Entra no carro, prende crianças, double check os cintos. Segue de volta pra Sorocaba mesmo.
- Ei, amor, quer tentar no supermercado? Vai que cola...
- Tem certeza? 
- Se você for pedir, eu topo (riso amarelo)
Papai vai, a gente fica esperando no carro. Eu no pensamento positivo forte torcendo pra dar muito certo.

Yeah! Dinheiro na mão, sorriso no rosto.
- Bota o cinto, menino!
O moço sorri pra família feliz que entra na fazenda. Bastou cruzar aquela cancela pra tudo dar certo.
- Quer dirigir, Elias?
Elias dirigiu, entrou num forno gigante de carvão, subiu no trem, pulou, subiu escada, desceu escada, subiu escada, desceu escala... ad infinitum. Sempre acompanhado da sua fiel escudeira, fã e amiga de todas as horas.

A trilha custou 6 reais por adulto, era em grupo e acompanhada por um guia. 
- Odeio passeio assim...
Respira. Corre atrás de menino, sobe no trem com a menina, brinca de esconde-esconde. 
- Mãe, quero fazer xixi.
Banheiro público é sempre um estresse.
- Não pega em nada. Desencosta da parede. Cuidado pra não encostar na privada. Cuidado pra não molhar a calça. Espera que eu também quero. NÃO ABRA ESSA PORTA AGORA QUE EU TÔ PELADA! Lava a mão direito.
E a impressão de que a mão do moleque vai cair. Eu até posso ver as bactérias fluorescentes nas mãozinhas perfeitas do meu filhote. 
(Deixa de paranóia, mulher, se recomponha!)
Almoço.
- Só batata-frita não pode. Come um pouco de cenoura. Esther, por que danado você tá cuspindo isso, filha? Elias, come direito pra conseguir andar.
Come um pouco.
- A carne tá perfeita.
14h20, trilha. Previsão 30 minutos de carro na estradinha (que na verdade deve dar uns 15 apenas) + 1 hora andando na floresta (que na minha percepção foi na verdade umas 3 gerações). 
Esther vai dormindo no início da trilha. Elias pede colo dengosamente.
- Great!
Carrego Esther e Pedro, Elias. 
- Cuidado pra não escorregar, hein, moça. 
Uma mosca insiste em voar e zumbir em volta da minha cabeça. Pedro lá na frente com Elias.
- Moça, me ajude por favor, tem uma mosca azucrinando meu juízo.
Avisto Elias andando ao lado de Pedro. 
- Oxe, toma Esther!
Elias segue andando, se achando um explorador de verdade como a vovó Lela. 
- Mãe, posso perguntar o nome daquele menino?
- Claro, filho.
- Qual o seu nome? O meu é Elias Sousa. Eu tenho 4 anos. Sabia que eu sei assobiar? Cuidado pra não escorregar. Esse é o meu pai, Pedro Bernardo de Sousa. Quer pegar na mão dele? (...) Ei, tem certeza que não quer pegar na mão? (...) Ei, eu acho que você devia pegar na mão.
- Elias, deixa o pobre do menino, filho! Não é legal insistir assim.
O guia para no meio da floresta pra contar uma história interessantíssima por uns eternos 30 minutos. Em pé. Esther quer pular na pedra. Elias quer pular no rio. Eu quero pular no pescoço do guia. Brincadeira, eu sou uma pessoa muito calma.

Elias e Esther atravessaram pontes, andaram bastante. Senti muito orgulho deles. Elias ia pulando as pedras, saltando as raízes, atravessando o rio sozinho pulando de pedra em pedra, falando hora com um hora com outro. Às vezes alguém quer salvá-lo da sua aventura:
- Não precisa me dar a mão. Obrigado. Eu sou um explorador.
Esther foi uma guerreirinha. Andou muito, subiu pedras, não reclamou. Sempre muito protegida pelo papai. Dentro da floresta a atenção nas crianças era grande e não deu pra tirar nenhuma foto da caminhada. Pensei nos blogueiros que iam filmando andando e ainda se enquadrando no meio do vídeo enquanto falam coisas inteligentes e engraçadas. Eu só queria sair dali com meus filhos inteiros. E Elias estava especialmente arteiro. Esther, eu não queria nem ver, deleguei inteiramente os cuidados a Pedro, pois eu também precisava terminar a aventura com meu coração inteiro. No final, caminho mais aberto, sem rio nem penhasco.
- Tira foto, amor! Ai meu Deus, como eles são lindos! Tomara que a fralda de Esther aguente até o fim da trilha... 


Até que a gente chegou no objetivo final da trilha. Eu fiquei histérica achando que Elias ia cair de cabeça.
- SAI DAÍ, ELIAS. Pedro, olha ele. Pára de tirar foto. Senhor amado, quero nem ver. 
Sentei pra dar de mamar pra Esther olhando a paisagem, imaginando Elias caindo lá de cima enquanto o pai tirava uma linda foto da paisagem. Sério. Isso não deve fazer bem pro coração.


- Papai subiu lá em cima. Eu também vou.
E foi. Eu fiquei embaixo com Esther. Depois saí de perto pra não ter um troço. Pensando no tempo em que eu que subia com o marido. Pensando em como a menina aventureira que eu fui se tornou uma mãe tensa. Bateu medo, mas também muito orgulho. Ele escalou sozinho e encontrou o nosso herói lá em cima prum momento entre exploradores.  
Que aventura maravilhosa. Elias disse que foi a melhor viagem do mundo. Não sabe ele que o mundo dele está só começando. Ele desceu da pedra animado e orgulhoso e foi correndo em direção do carro pra voltarmos pra casa. Fim de uma viagem praticamente sem incidentes, pelo menos nenhum ferido.
Até que Elias escorrega na terra cheia de palha do lado do carro e sai arrastando a cara inteira por alguns metros. Choro, grito, vômito, palha entre os dentes. Olhares curiosos. 
Lava, inspeciona.
- Calma, filho. Meu amor, por que você só cai com a cara no chão?
Sim, fiz esse comentário desnecessário pro filho que tem 2 dentes quebrados e tava cheio de palha entre os dentes.
(Eu só queria que ele botasse as mãos na frente...)
O guia vem verificar preocupado.
- Ah, moço não se preocupe. Normal. Tem que sempre cair um num passeio. Tá tudo sob controle. 
(Fingi costume)
Entra no carro. Confere o cinto. 
- Tô morta! Desculpe a tensão, amor. 
- Tranquilo, foi um passeio legal.
- Mãe, vamo pro parque!

5 minutos no carro e os dois estavam respirando fundo, dormindo.
- Vamo ver um filminho quando chegar em casa? Acho que eles dormem direto até amanhã...

21 minutos depois, no portão de casa.
- Mãe, vamo pro parque!
- Putz, os dois acordaram?

Dá banho. Arruma as bolsas. Faz comida. 
- Dorme, menina. 
- Mãe, quero jogar Minecraft! Ninguém quer fazer nada comigo!

Que sono. Que cansaço. Que dia perfeito. 

Sem um pingo de ironia. Sem um pingo de arrependimento. Amo demais esses meus 3 moleques. Não troco essa vida de mãe tensa por nada. Mas pretendo fazer isso mais vezes. Masoquismo? Não, é que a menina aventureira ainda tem voz.  

Quer saber mais sobre a fazenda Ipanema? Leia num blog de viagens, que esse aqui tá mais pra blog sobre maternidade. A mãe tensa fala mais alto.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Barriga de 5 meses (21 semanas)

Renovação de votos - 11 anos - Cecília