Respira...

8 de outubro de 2013, uma terça-feira ensolarada. Mala pronta. Sacolas com piscina, mangueira, computador, comida. Parecia que a gente ia viajar. Peguei um táxi e Bernardo foi acompanhando na moto.
(Parêntesis) O taxista fez as perguntas de praxe sobre a gravidez e o bebê e disse que a mulher dele estava grávida também. Ela telefonou pra ele logo depois e ele me passou o celular dizendo: "fala aí com ela!" Bom… batemos um papo de uns 15 minutos e trocamos nomes pra adicionar no Facebook, mas nunca o fizemos. E eu lembro mais o nome da mulher?! (Fechando parêntesis)
Uma vez no hospital, esperamos um bocadinho o médico poder vir nos atender. Pra gente, não havia urgência, quanto mais ele demorasse, melhor. Mais chances teríamos de o parto iniciar sozinho. Era a nossa esperança.
Quando fui atendida e examinada, surpresa boa! Quase 4 cm de dilatação. E sem dor. Aquilo era raro num primeiro parto e uma ótima notícia. O médico disse que nem injetaria ocitocina, faria uma manobra mecânica (o descolamento da membrana) e esperaria até o dia seguinte. Dormimos, Bernardo e eu, num grande quarto do hospital Santa Lúcia. Bom, tentamos dormir. Dormi pouco e mal. A ansiedade era grande, apesar de saber que ela não ajudaria em nada.
No dia seguinte, quase 5 cm de dilatação, mas nenhuma contração. Pela manhã, tomei ocitocina. E por volta das 14 horas do dia 9, senti minhas primeiras contrações. Avisamos ao obstetra e à doula, mas sabíamos que o trabalho de parto poderia ser demorado. Tiramos algumas fotos nesse início, depois ficaríamos tão envolvidos no parto que as fotos seguintes só seriam tiradas quando estivéssemos no quarto com Elias. E eu até gosto de aquele momento ser visualmente somente nosso. Algo totalmente novo, visto o quanto gostamos de registrar nossa vida. De qualquer maneira, fica o registro por escrito.
Fui pro chuveiro com água morna enquanto Bernardo enchia a piscina. Eu estava muito bem humorada e falante. Aquelas contrações eram minhas amigas. Eu me gabava, falando pausadamente, com dificuldade, entre os dentes, que eu era capaz de falar durante as contrações. Bernardo e eu ríamos muito. Depois passei horas e horas na tal Partolândia, uma terra pra onde se faz uma viagem solitária, num mar de hormônios. Variei muito as posições. Fiquei na bola, em pé, na banqueta, de cócoras, na piscina, deitada de lado, sentada, de joelhos. A piscina foi mesmo meu lugar de dileção. Entre as contrações, muita conversa, muito bom humor, muita piada. Lembro de falar muito e fazer todo mundo rir. Pena que não registramos, pois eu descobri que sou uma parideira humorista. Ouvi um comentário da neonatologista que muito me agradou. Ela disse que nunca tinha visto uma mulher no estágio de trabalho de parto em que eu estava tão bem humorada. Exagero ou não, aceito a lisonjea.

Durante as contrações, Bernardo ou a doula (nossa querida Dan Gayoso) me davam massagem na lombar e eu fazia movimentos e sons que ajudavam a relaxar. Contração deixa de ser dor quando se aceita e se espera que ela venha trazendo seu bebê. Pra mim, era como um transe. Muito interessante. Cansativo também, claro. O pior não é uma contração, são as idas e vindas. Parto é uma modalidade de enduro. Como uma maratona e quem for achando que é uma corrida de 100 metros, pode acabar pedindo analgesia no meio do caminho. É preciso ter os nervos fortes pra suportar aquele “incômodo” que não machuca, mas não passa, por muitas horas. Eu vi escurecer. Tentava supor a hora, mas não queria saber. Eu me dizia que não importava a hora; eu poderia passar uma vida inteira ali se fosse preciso. Mas não deveria.
Em um momento, exame, 9 cm de dilatação, o bebê estava demorando, mas deveria nascer a qualquer momento. E o tempo foi passando… O bebê passou tempo demais “para nascer a qualquer momento”. Enfermeira, doula, obstetra, neonatologista na sala esperando. Bernardo também, claro. Ele esteve comigo o tempo todo, parindo comigo. Eu fazia força quando as contrações vinham. Eu “procurava” as contrações quando elas passavam. E nada…
Até que o obstetra examinou novamente e conclui que a cabecinha de Elias estava torta e que por isso havia formado um calo, uma protuberância, que o impediria de sair. A solução seria tentar colocá-lo no lugar certo com as mãos. Caso isso não desse certo, deveria ser feita uma cesárea. O obstetra, Renato Grandi, e a enfermeira (sua esposa), Suzely, explicavam tudo, como seria, me confortavam e garantiam que seria o melhor para o bebê. Eu chorava de tensão, de frustração, de medo… Fui pro chuveiro me lavar e me acalmar. Disseram que chamariam a equipe e que eu tinha uma hora ainda. As contrações até diminuíram, mas quando elas vinham, o impulso era de fazer força, mas eu me concentrava para não fazer, morrendo de medo de machucar ainda mais meu bebê. Mas a água me acalmou. Eu sabia que não podia ficar tensa demais. Só então eu perguntei a hora e soube que já era dia 10, às 3 da madrugada.
Bernardo ficou na sala organizando tudo, esvaziando piscina, limpando. Fechando minha caixinha de sonhos de parto na água. Soube depois que ele estava muito nervoso, com pensamentos pessimistas de quem tem medo e uma certa raiva, chegando a preocupar quem estava do lado. Mas isso eu não vi, o que vi foi um marido me acalmando, me passando segurança e muito amor.
Rejeitei a maca e fui andando para o bloco cirúrgico. Dr. Renato me acompanhou, sempre tranquilo e sorridente, sempre tentando me tranquilizar. Bernardo estava se esterilizando e colocando a tal roupinha verde. Entrei numa sala fria, cheia de fios e luz. O médico pediu imediatamente que desligassem o ar condicionado e eu gostei mais dele por isso. Eu estava ansiosa pela chegada de Bernardo. Chegaram todos. Hora da anestesia parcial, pois colocar Elias no lugar mecanicamente seria doloroso. A anestesia teve seu grau de sofrimento, mas imagino que menor. Levei várias furadas, na tentativa de aplicá-la. Eu estava sentada, curvada, com alguém me segurando, forçando minha cabeça pra baixo, eu tendo de forçar a coluna pra trás, e o barrigão no meio dificultando a manobra. Até hoje tenho feridinhas nas costas como lembrança desse momento.
Parcialmente anestesiada, com ajuda, fui para a banqueta. Bernardo sentado atrás de mim me apoiando fisica e psicologicamente. Empurram o bebê e me dizem pra fazer força. Eu não sentia as contrações, mas a barriga ficava toda dura. Fiz força, muita força. Mas Elias não sairia, pois a cabecinha torta o colocava novamente na posição errada. Ouvi a palavra cesareana e chorei aos prantos, com lágrimas e soluços abundantes. Senti muito medo de perder meu bebê, de morrer, de deixar meu marido sozinho... Nesse momento, os batimentos cardíacos do bebê, constantemente monitorados por Suzely, caíram drasticamente e as mesmas vozes que me diziam “força!” passaram a me dizer “respira!”. Uma voz se sobresaiu. Bernardo falava baixinho no meu ouvido pra eu respirar, que o bebê dependia de mim pra respirar. Eu senti muito medo. Falei pra Bernardo que era "trop de responsabilité". Eu estava morrendo de medo de ser responsável pela morte do meu filho por simplesmente não ter respirado como deveria. Eu mantinha os olhos fechados. Falávamos em francês; eu me sentia sozinha com ele. Ele, fungando e chorando comigo, me guiou em direção ao oxigênio. Respiramos a dois, ele ditando o ritmo, respirando forte de tal maneira que eu podia ouvir o ar passando pelas suas narinas e sentir seu peito empurrando minhas costas. Até que o barulhinho nervoso saindo do aparelho da enfermeira tranquilizou a todos. Elias estava lá.
Hora de aplicar novamente a anestesia. A mesma cena e a mesma dificuldade de pouco antes. Dessa vez, a anestesista desistiu e pediu que chamassem a que estava de plantão. Eu não via nada, mas depois soube que a moça estava dormindo e que chegou lá com os olhos vermelhos e a cara de sono. Mas o que vi foi que ela conseguiu de primeira. Para Bernardo tensão. Para mim, somente alívio.
Depois, Bernardo ao meu lado, eu fiquei imaginando em que etapa do processo os médicos estavam. Eu não acreditava que estava sendo cortada… Mas admito, que quando eu menos esperava, eu vi Elias, ainda do outro lado da cortina, ainda ligado a mim pelo cordão, com um chorinho rouco, baixinho. Eu chorava e dizia “Meu filho”. Era 5h20 da manhã do dia 10. Eu via e ouvia Bernardo do meu lado às lágrimas dizendo “Meu filho! My son! Mon enfant !”. “C’est notre enfant !” eu dizia com muita comoção. Eu só sentia uma onda de felicidade me invadir. Tomei um caldo nessa onda, fiquei submersa num mar infinito de muita felicidade, muito amor. Alívio. Enfim! Somente quando o vi, tive a impressão que houvera a possibilidade de não conseguir. Enrolaram-no num paninho grosso verde e o aproximaram do meu rosto. Eu o achei a coisa mais linda do mundo. Disse rindo: “Cabeçudinho lindo da mãe!”
A neonatologista foi cuidar dele e Bernardo os acompanhou, ainda dentro da sala de cirurgia. Depois Bernardo apareceu segurando Elias; uma das cenas mais tocantes que já vi na vida. Eu não me frustrei por não poder pegá-lo. Fiquei tão feliz por Bernardo estar vivendo aquilo. Agradeci a Deus por poder ver aquela cena; os dois homens da minha vida juntinhos. Depois, ele mesmo o carregou até o berçário, onde Elias deveria ficar por umas 3 horas. Elias não sofreu nenhuma intervenção desnecessária, tomou apenas a injeção de vitamina K.
Enquanto isso, eu fiquei lá sendo costurada. Mas eu estava tão feliz! E novamente tagarela. Coitada da Dan, a doula, que ouviu pacientemente a história de quando Bernardo perdeu uma unha da mão e arrancou o restinho pendurado a seco. Lembro de ter falado para Dr. Renato e Suzely capricharem na costura, que eu ainda ia para a praia de biquini e queria uma cicatriz bonitinha. Eu falava e uma assistente reclamava “A moça vai ter muitos gazes…”. Tive mesmo, mas fui muito mais feliz!

Fui pro quarto e encontrei meu pai e minha irmã. Ele ficou comigo no quarto, tentando me fazer não falar. E ela foi ver Bernardo com Elias. Uma hora e meia depois do parto (antes do esperado, graças à sua rápida recuperação), Elias estava lá no quarto comigo. Conosco. Ele mamou rapidinho. Bernardo nos vendo juntos, sentou do meu lado e chorou.



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