Relato de parto II - amor rima com raiva

Quase meia-noite e finalmente a pequena dormiu. Vou aproveitar o dom de perder o sono assim que ela dorme apesar de ter passado as últimas 2 horas caindo de sono torcendo pra ela dormir. Bom, eu me sinto mesmo devendo tanta coisa a ela. Tenho medo de ela no futuro comparar a quantidade de textos e vídeos dela e de Elias e concluir erroneamente que a amo menos. Ah, Esther, é um amor tão gigante que sinto por você. Tão transbordante, tão asfixiante, tão vital, tão intrínseco a quem eu sou quanto o que eu sinto pelo seu irmão mais velho. Mas é que a realidade atual é tão diferente. Tão mais difícil ter uns minutos pra pensar em você ou em Elias, pois eu estou sempre com um de vocês. E isso não torna nem um pouco esse momento pior, muito pelo contrário. Eu não estou me queixando, estou só explicando porque tem tão menos registro desses seus primeiros meses. E pra preencher uma certa lacuna, hoje resolvi sacrificar um tanto do pouco tempo de sono pra finalmente (quase 9 meses depois) concluir (será?) o relato do parto.

(Pausa pra reler o início. Ai, será que eu ainda lembro os detalhes?)
(Esther acordou. Voltou a dormir. Vou deixar de enrolação.)

Lembro de sentir muita fome e de devorar pães de queijo que Pedro ia me dando na boca. Lembro de sentir raiva das enfermeiras quando elas conversavam (embora o fizessem pouco e bem baixinho). Lembro de sentir uma raivinha quando a contração vinha e a doula não fazia massagem (embora ela tenha massageado minha lombar em 98% das minhas contrações). Lembro também de odiar quando no meio de uma contração a enfermeira vinha querer ouvir os batimentos cardíacos de Esther. Como era ruim ter que mudar de posição! Mas bom eu sabia que era necessário então fazia minha parte, claro. Mas teve uma hora que pedi pra ela esperar. Quanta raiva pra um parto só, né? Mas foi pontual. Na hora eu não me considerava sentindo raiva. Eu acho. Eu mais uma vez me entreguei na partolândia. De novo encarei durante muitas horas as contrações como amigas que me trariam meu bebê. Em nenhum momento passou pela minha cabeça que não conseguiria ou que existia anestesia praquela dor. Nunquinha mesmo. Mas rolou um momento em que me senti meio entrando em pânico, eu andava, me mexia, encostava a cabeça na parede. Eu não sabia o que fazer com aquela dor. Acho que foi muito maior que a do parto de Elias. Lá pelas tantas da madrugada eu tinha muita vontade de empurrar, empurrava, mas parecia não avançar. As enfermeiras me sugeriam posições (exatamente como eu tinha dito que gostaria no meu plano de parto) e uma hora eu fui bem grossa dizendo pra elas não sugerirem mais uma certa posição, que não rolava. Não lembro o que eu disse, mas lembro de deixar o marido com vergonha (eu acho). Depois (sei lá em que momento), as enfermeiras disseram pra eu empurrar com mais “vontade”, sugeriram me acocorar quando a contração viesse. Eu me senti um pouco pressionada, mas fiz. Depois fiquei me pendurando a cada contração no lençol que estava preso na janela. Eu vocalizava e o cachorro do vizinho uivava de volta. Eu pensei nas pessoas que talvez eu tivesse acordado, mas nem liguei. Fiquei naquele transe uivando com o cachorro e fazendo muita força. Eu tava obstinada em fazer ela nascer. Rápido. Cansei. Me senti realmente muito cansada. Enfermeira examina, diz que o colo do útero está dobrado. Hã? Putz!! Sugeriram fazer uma manobra pra desdobrar e perguntaram se eu aceitava. Que terrível ter que decidir isso. Eu não tinha a mínima ideia. Eu tenho tendência a não querer intervenção nenhuma, mas perguntei o que elas achavam e apesar do medo da dor ouvi seus conselhos. A manobra foi feita no tatame e na mesma hora eu senti Esther "quase saindo". Senti tanto amor por aquelas enfermeiras naquela hora! Mas ao mesmo tempo eu disse “ótimo, tá perfeito, não quero mudar de posição! Quero parir assim.” Eu estava completamente torta, sem me mexer, desconfortável, mas morrendo de medo de Esther “voltar pra dentro”. Elas disseram que Esther tava nascendo, que não ia atrasar em nada eu voltar pra piscina que é onde eu queria parir. Como me sinto agradecida por elas terem me ajudado a ir. Mas como doía. Eu repetia que tava doendo, que o círculo de fogo tava ardendo mesmo. Algumas contrações a mais e eu senti uma dor medonha e finalmente a cabeça estava pra fora. Nesse momento eu já comemorei, aliviada. Naquele momento eu fiz as pazes comigo enquanto mamífera parideira. Me senti capaz. Depois conversando com as enfermeiras, uma delas perguntou se tinha sido um parto orgásmico, pois eu tinha feito uma expressão de prazer. Nem de longe aquilo foi um orgasmo físico, mas é verdade que rolou um êxtase psicológico. Interessante como durante o processo em nenhum momento eu pensei conscientemente que algo poderia dar errado, mas na hora que a cabecinha tava pra fora eu senti um alívio de quem só naquele momento percebeu que poderia ter dado errado, mas não deu. Não sei se expliquei direito, tô com sono. Depois eu sentia ela mexendo. Foi uma sensação muito louca sentir o corpinho dela no canal de parto. Me ajudaram a sentar ainda na piscina e na contração seguinte ela veio. Eu pedi pra pegarem, mas as enfermeiras disseram algumas vezes “pega ela, Cecília!!”. Mais uma vez muito amor por elas terem feito isso por mim, pois eu queria, mas não sabia que era capaz. E hoje pensar que eu que amparei minha própria filha e trouxe pros meus braços me faz sentir uma super-mulher parideira. Quando Elias nasceu eu pensei “nasceu!!”. Quando Esther nasceu, eu pensei “pari!!”.


Momento lindo, marido segurando a mim e a Esther. Me ajudaram a ir pro tatame (que é a nossa cama). Fiquei lá com toda a minha atenção pra Esther enquanto os demais me limpavam, cuidavam do que precisava ser feito quando de repente… mais uma contração. Senti um ódio mortal. Eu tava de boa amamentando minha bebê e lá vou eu ter que parir uma placenta. Que não guardei. Sinceramente, nenhum carinho especial por ela. Pelo contrário. Depois do parto eu fiquei de um jeito que eu simplesmente não queria saber de dor. Tive que levar 2 (ou 3?) pontos externos devido a uma pequena laceração e só vendo como eu tava frouxa. Acho que até hoje tô meio sem querer dor nenhuma. Sempre fui uma pessoa que não tomava remédios, mas agora a cabeça mal começa a doer e já corro atrás de um paracetamol. Eu passaria por tudo de novo. Mas durante muito tempo fiquei martelando na cabeça que não quero esquecer a dor, pois ela foi muito grande. Mas, pior que acho que já esqueci uma boa parte.
Depois da muvuca, comi uva passa. E banana amassada dada na boquinha pela doula Michele, mais muito amor por ela. Esther nasceu umas 5h (tenho o registro exato em algum lugar aqui, mas não vou procurar agora, é 1h da manhã e vai que não consigo terminar a próxima frase). As enfermeiras cuidaram de tudo. Limparam chão. Deixaram tudo muito limpo. Fiquei surpresa e muito grata. Umas 2h depois do nascimento (eu acho) fui levantar pra tomar um banho e… desmaiei!

A continuação numa próxima madrugada que der.

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