O Pólen da Vida

Quando começamos nossa amizade, Pedro e eu, eu não sabia que ele era evangélico. E levamos um certo tempo a tocar nesse assunto, afinal, política e religião não se discute. Não nas primeiras conversas com alguém, à priori. Tínhamos o hábito de mostrar nossos escritos antigos, recentes, escritos diretamente um pro outro ou não. Quando certa vez, no meio de alguns de seus textos, encontramos "O polém da vida"...

- Ah, desse você não vai gostar... Disse Pedro.

- Deixa eu ler primeiro, depois eu te digo.

- Mas... você não vai entender.

Ali ele tinha me ofendido! Resignei-me. E decidi não insistir, mas também não ler mais nada aquela noite. Eu estava realmente magoada. Se tem algo que pode me ofender é subestimar minha inteligência. Mas depois deixei pra lá. Vim a ler esse texto meses depois apenas, quando já estávamos namorando e Pedro viu em mim alguém em busca do evangelho. Alguém com sede de conhecer Deus. Bom, antes ele não poderia saber. É verdade que nem todos entendem. Acostumada a viver intensamente na igreja, com meus irmãos em Cristo, não tinha ainda realmente tido a oportunidade de conversar com alguém que não divide comigo a ciência do Amor de Deus. É triste. É frustrante. Principalmente ver alguém debochar do que é a base da sua vida. Agora eu entendo o receio de Pedro e sua hesitação em me mostrar seu texto. Mas admiro hoje a coragem que ele adquiriu de adimitir sua fé e se apresentar como um servo do Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

Eis o texto :

"Uma abelha voa, plácida e metódica, de flor em flor, colhendo néctar. O produto dos seus esforços será convertido em sustento para toda sua raça. Durante seu labor, ela se suja de pólen, como um ferreiro de fuligem. Ossos do ofício. Ela certamente não imagina que está a ajudar a planta a fecundar-se, fechando seu ciclo de vida.

Assim é o crente em Jesus. Ele sai do seio de sua família para sua azáfama diária, pelo mundo arredio, pelas entranhas de uma sociedade incrédula, colhendo, laboriosamente, o sustento, seu e dos seus. Ao mesmo tempo, ele leva consigo a luz que recebeu do Pai, espalhando-a de flor em flor, fecundando a planta, criação de Deus. E o Evangelho se multiplica, se espalha por todo o campo.

O homem crente, se não for chamado, especificamente, para isso, não precisa abandonar tudo e todos, que ele ama e que o amam, para cumprir a ordem de Cristo, "ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura". Ele pode espalhar o benefício da salvação por entre os que o cercam, por entre os que cruzam seu caminho todos os dias. Sem sair do seu plano de vôo diário por mel. Ele pode colher seu sustendo da criação de Deus, a planta, e levar vida de flor em flor, sem sair do seu percurso. Afinal, não há uma única abelha. Há milhões delas. Há milhões de crentes, indo e voltando, todos os dias, entre o lar, o trabalho e a escola, num movimento contínuo de migração pendular. Basta que sejamos fiéis, íntegros, íntimos de Deus, que quer ser um amigo íntimo. Que quer se aproximar, mas nem sempre é recebido. Quando é, enche de virtude o crente, o invólucro do Espírito-Santo na Terra. E o pólen da vida é espalhado, naturalmente, acompanhando o movimento natural do dia-a-dia.

Entretanto, um homem pode ser chamado para desafiar sua própria natureza. Para atender a um clamor em terras longínquas. Um clamor por vida, também, mas vindo de lábios muito mais sedentos. Vindo de campos onde não há abelhas, borboletas, vento, ou nada que espalhe o pólen divino, a remição dos pecados. Esse homem mostra a virtuosa bravura que nem ele mesmo supunha ter. Levanta-se, começa a andar, na direção que o Senhor lhe mostra, atravessando montanhas, desertos, oceanos, fronteiras de toda ordem, até alcançar a seara. Essas são fronteiras geográficas. Muitas vezes, cruzadas no silêncio do interior de um avião. Há fronteiras mais dolorosas. Há incredulidade, preconceito, perseguição, morte. Essa dói menos. Alguns chamam até de bênção. Pode até ser, para os que vão se encontrar com Deus. Mas para os que ficam, é tristeza. Quantas pessoas desejaram, mergulhadas num caudaloso e amargo pranto, que seus amados não tivessem se transformado em mártires, com seu momento mais belo empalhado na memória? Quantas lágrimas foram derramadas? Se pudéssemos colhê-las, todas, quanta água salgada daria? E se as multiplicássemos pelo sofrimento profundo e agudo que elas representam, quantos dilúvios teríamos?

Essas perguntas lúgubres parecem não atravessar a mente dos escolhidos do Senhor. Eles emanam a mais buliçosa alegria, agradecem a tarefa e começam a realizá-la. Deus nos abençoe. E que, assim, possamos dividir com esses heróis o néctar nosso de cada dia."


Pedro Bernardo – maio de 2005.


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